Blend: uma prática importantíssima no mundo do vinho
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Fazer um blend é verdadeiramente uma arte. É criar um vinho único, equilibrado, complexo e além de tudo, completo. É pegar partes individuais e juntá-las para transformá-las em algo melhor. É um trabalho que exige tempo e paciência, além de grande conhecimento. Combinar as amostras em diferentes porcentagens, em busca da harmonia e balanço perfeitos, é um trabalho que exige muita expertise e experiência.
Um blend (assemblage, em francês ou corte, em português) não é só uma mistura de vinhos de diferentes variedades de uva, como muitos podem pensar. Um blend pode ser uma mistura de vinhos de diferentes safras, diferentes regiões, diferentes vinhedos, entre outras possibilidades. Os motivos para se fazer um blend também podem ser os mais variados, mas um dos mais importantes é a busca por um vinho mais equilibrado e com maior complexidade.
Nesse artigo vamos descobrir sobre a importante função dos blends no mundo do vinho.
Como tudo começou…
Os blends surgiram lá no início da vitivinicultura, época na qual não era possível ou era muito difícil diferenciar quais variedades de uvas existiam no vinhedo. Claro, era possível notar algumas diferenças entre elas, como a cor, o formato e até mesmo a quantidade e a época em que produziam. No entanto, não se sabia muito mais que isso. Então, tradicionalmente, quando tipos diferentes de uvas viníferas cresciam lado a lado no vinhedo, elas eram colhidas ao mesmo tempo e reunidas para a fermentação. Atualmente este modo de produzir vinho é chamado de field blend e ainda é comum em algumas regiões, como no Douro por exemplo.
O blend era também uma forma de compensar as variações de qualidade das variedades de uva, ano após ano. Fazer essa mistura era uma espécie de garantia contra pestes ou variações climáticas. Era também uma forma de melhorar o produto.
Com o passar do tempo, os enólogos começaram a entender que fermentar variedades separadamente deixava o vinho mais consistente. Assim, eles começaram a fermentar cada variedade de uva separadamente para só depois “montar” o vinho. A técnica dos blends foi sendo aprimorada. Hoje, escolher quais as variedades e as proporções que serão usadas em um blend é uma decisão técnica baseada no amplo conhecimento dos profissionais sobre as castas e a região.
O que é e como é feito um blend?
Primeiramente, vale ressaltar que um blend pode ser feito da mistura de vinhos de variedades diferentes (por exemplo, Cabernet Sauvignon e Merlot, um corte muito famoso no mundo do vinho), de safras diferentes (prática muito comum em Champagne e nos espumantes de forma geral), de vinhedos diferentes (um vinhedo num clima mais frio trará mais acidez ao vinho, por exemplo) e de vinhos que receberam diferentes tratamentos no processo de vinificação (por exemplo, uma mistura de um vinho que passou por amadurecimento em barricas e outro que não passou), entre outros.
Os vinhos prontos são então separados de acordo com as variedades, vinhedos etc. Cada amostra é provada separadamente – por um enólogo ou por uma equipe, antes que qualquer mistura seja feita. Essas amostras serão testadas e misturadas durante muitos dias, semanas, ou até meses. Normalmente, restam vários “candidatos” para vinho final, que os enólogos irão reavaliar, até que se tenha o “ganhador”: o blend desejado. Para se ter uma ideia, para fazer um Champagne NV, às vezes mais de 100 amostras são provadas.
Fazer um blend pode ser um trabalho extremamente desafiador, principalmente se considerarmos que o vinho será consumido anos depois. O enólogo precisa “imaginar” como aquele blend ficará em 10 anos, por exemplo.
Algumas (boas) razões para se fazer um blend
Muitos acreditam que o blend é feito para mascarar defeitos e isso talvez seja a origem do mito de que só vinhos varietais possuem qualidade. Um vinho varietal irá demonstrar melhor as características de uma variedade de uva específica enquanto um blend irá demonstrar melhor o terroir de uma região, ou o próprio estilo daquele vinho. Da mesma forma que acontece com os vinhos varietais, que podem ser de baixa ou alta qualidade, acontece com os blends. Então, o simples fato de um vinho ser varietal ou blend não é indicativo de qualidade.
Criar um blend pode ter várias funções: desenvolver um determinado estilo, manter a consistência do vinho, melhorar suas qualidades organolépticas (taninos, acidez, corpo, entre outras), melhorar as qualidades sensoriais (como os aromas, por exemplo), diminuir defeitos, balancear os aromas do carvalho. São muitas as possibilidades.
O blend busca trazer equilíbrio ao vinho, ajudando a aumentar ou diminuir os níveis de algumas características do vinho, como taninos, acidez, corpo, entre outras, e de forma geral, melhorando sua qualidade. Por exemplo, juntar vinhos de uma variedade mais tânica com uma menos tânica pode ajudar a deixar o vinho mais macio. Juntar um vinho de um vinhedo/uma região mais fria com um vinho de um vinhedo/uma região mais quente pode ajudar a balancear os níveis de acidez.
Além disso, em alguns estilos de vinho a variação de características de safra para safra não é tão desejada, isto quer dizer que o enólogo deve buscar pela consistência do produto, ano após ano. É o caso dos Champagnes NV (não safrados). O blend vai ajudar aquele vinho a ter sempre a mesma qualidade e características que o consumidor deseja e conhece daquele produto.
E não podemos esquecer da complexidade. Misturar vinhos pode levar a uma variedade maior de aromas e sabores, aumentando a complexidade e consequentemente a qualidade do vinho.
Outras razões…
Além dos motivos expostos acima, um blend também pode ser usado para diminuir defeitos no vinho, para aumentar o volume de vinho e até para diminuir o preço do vinho, por exemplo, misturando uma variedade mais cara com uma mais barata (Trebbiano – mais barata à Chardonnay – mais cara).
Independente do motivo, fazer um blend é criar uma obra de arte. É um processo que exige além de paciência, muita experiência e expertise.
Alguns exemplos
Podemos citar alguns importantes vinhos no mundo, criados a partir de blends, como o Bordeaux, o Champagne, o Amarone, os GSM, o Chianti, os Supertoscanos, os Riojas, os vinhos do Porto, entre muitos outros. Falaremos mais detalhadamente sobre eles em um próximo artigo! Fique ligado!
Nos vemos em breve! Saúde!
Por: Maria Paula Almeida
Maria Paula Almeida é professora e Diretora da Sommelier School. É sommelière e especialista em vinhos, com formação internacional. Participa como jurada em concursos de vinhos brasileiros e escreve sobre vinhos.